O Estádio da Luz ainda ecoava das emoções do último jogo quando, na noite de 30 de outubro, as atenções se voltaram para um palco diferente, mas igualmente intenso: o debate entre Rui Costa e João Noronha Lopes, os dois candidatos que disputam a segunda volta das eleições presidenciais do Sport Lisboa e Benfica.
Depois da primeira ronda, que contou com seis candidatos, o confronto direto entre os dois finalistas foi aguardado com grande expectativa pelos sócios encarnados. O ambiente político no universo benfiquista está mais quente do que nunca, e este frente a frente não desiludiu.
Rui Costa, atual presidente, entrou em campo com a serenidade de quem conhece os bastidores da Luz como poucos. Noronha Lopes, por sua vez, apresentou-se combativo, determinado a convencer os indecisos de que o Benfica precisa de uma nova liderança e de uma rutura com o passado recente.
A noite foi marcada por momentos de tensão, ironias subtis e discursos que revelaram o contraste entre dois projetos de clube — um focado na estabilidade e continuidade, outro apostado em virar a página e devolver “a alma vencedora” ao Benfica.
Noronha Lopes: “No Benfica não existem segundos lugares”
O candidato João Noronha Lopes mostrou-se, desde o início, decidido a atacar o ponto que considera mais fraco na presidência de Rui Costa: os resultados desportivos. “Em quatro anos, Rui Costa não ganhou o suficiente. No Benfica não existem segundos lugares”, afirmou, com um tom que misturava convicção e desafio.
Noronha aproveitou para recordar que o Benfica investiu mais de 400 milhões de euros nos últimos anos e, mesmo assim, conquistou apenas um campeonato. Para ele, este é o reflexo de uma estrutura que perdeu foco e exigência.
Apresentando-se como “o candidato da mudança”, destacou a necessidade de profissionalizar ainda mais a gestão desportiva e devolver o “espírito competitivo” ao clube. Reforçou também o seu compromisso com a transparência e a ética, aludindo às críticas e ataques pessoais que têm circulado nas redes sociais: “Já fui acusado de tudo, até de ser o novo Vale e Azevedo. Mas não me desvio do essencial: o Benfica ganhar mais e melhor.”
O tom emocional esteve sempre presente. Noronha falou de forma apaixonada sobre o clube, lembrando que “o Benfica é o clube da sua vida” e que, mesmo se perder, continuará a participar nas Assembleias Gerais e a apoiar a instituição. “Não me candidato contra ninguém, mas a favor do Benfica”, sublinhou.
Rui Costa: o peso da experiência e o escudo da estabilidade
Do outro lado, Rui Costa respondeu com elegância e serenidade. Sabia que estava na defensiva, mas também que tinha o trunfo de quem vive o Benfica desde dentro há décadas.
O atual presidente lembrou o contexto difícil em que assumiu o cargo, num momento conturbado após a saída de Luís Filipe Vieira, e destacou as melhorias estruturais e financeiras alcançadas sob a sua liderança.
Sem recorrer ao confronto direto, Rui Costa procurou transmitir uma imagem de estabilidade e continuidade. Afirmou que o Benfica precisa de serenidade e de uma gestão sustentada, não de aventuras eleitorais. “Não se constrói um projeto vencedor em dois anos”, disse, recordando os investimentos feitos e o regresso de José Mourinho como “um passo crucial para devolver o Benfica ao topo”.
Ainda assim, foi Noronha quem dominou o ritmo do debate, forçando Rui Costa a reagir em vários momentos. O antigo maestro das águias mostrou-se mais contido, mas deixou claro que o clube está num bom caminho e que “a reconstrução não se faz à pressa nem com populismos”.
Mourinho no centro do debate
Como seria inevitável, o nome de José Mourinho surgiu repetidamente durante o debate. O treinador português, contratado por Rui Costa, é visto por muitos como o trunfo eleitoral do atual presidente — e como a peça-chave para devolver o Benfica aos títulos.
Noronha Lopes reconheceu o valor do técnico, mas frisou que “nem mesmo o melhor treinador do mundo consegue vencer com um plantel que não escolheu”. Criticou o planeamento desportivo e o facto de o Benfica estar “já a falar do mercado de janeiro” quando, segundo ele, “ainda devia estar a consolidar o projeto atual”.
Mesmo assim, garantiu que, caso seja eleito, Mourinho continuará no Benfica. “Ele vem para ganhar, e quando ele ganha, ganhamos todos”, afirmou, deixando claro que pretende trabalhar em sintonia com o treinador — mas com uma estrutura reformulada.
O regresso de Bernardo Silva e o apelo à mística
Um dos momentos mais comentados do debate foi a promessa de Noronha Lopes de trazer Bernardo Silva de volta ao Benfica. O candidato afirmou que mantém contacto direto com o jogador e garantiu que, com ele na presidência, o regresso acontecerá “no máximo até ao próximo verão”.
A afirmação incendiou as redes sociais e gerou entusiasmo entre muitos adeptos. Para Noronha, o regresso de Bernardo simboliza “a reconexão do Benfica com a sua identidade e com a formação que tanto orgulho deu ao clube”.
A sua lista conta com nomes históricos, como Nuno Gomes, Vítor Paneira e Bagão Félix, que reforçam a ideia de um projeto com raízes na tradição benfiquista. Noronha aposta fortemente nesse simbolismo, acreditando que o clube precisa recuperar a “mística” e o sentimento de pertença que, segundo ele, se perdeu nos últimos anos.
A sombra de Vieira e a questão Proença
Apesar de não ser candidato, o nome de Luís Filipe Vieira pairou sobre o debate. Noronha mostrou respeito pelos méritos do antigo presidente e criticou o facto de este não ter sido convidado para a celebração dos 20 anos do Estádio da Luz. “Podemos discordar, mas devemos reconhecer o que foi feito”, afirmou.
Outro momento tenso surgiu quando Noronha pressionou Rui Costa a responder se voltaria a apoiar Pedro Proença na Liga Portugal. “Nenhum benfiquista sabe qual é o projeto de Proença”, provocou, arrancando um sorriso desconfortável ao adversário.
A reta final: o Benfica no espelho dos seus sócios
O debate terminou com trocas de elogios formais e com um tom mais conciliador. Noronha reconheceu “a honra enorme” de disputar as eleições com Rui Costa e reiterou que, independentemente do resultado, “o Benfica está acima de tudo”.
No entanto, ficou claro que o clube vive uma encruzilhada. De um lado, a continuidade e a estabilidade prometidas por Rui Costa; do outro, a ambição e a mudança encarnadas por Noronha Lopes.
A poucos dias do ato eleitoral, os sócios do Benfica enfrentam uma escolha simbólica: entre o conforto da experiência e o risco da renovação.
Uma coisa é certa — o debate mostrou um clube vivo, apaixonado e dividido, mas também consciente da sua dimensão e da exigência que o nome Benfica carrega.
No fim, talvez o verdadeiro vencedor tenha sido o próprio Benfica, que volta a mostrar a sua força democrática e o fervor que o torna, nas palavras de Noronha, “o maior clube do mundo”.

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