José Mourinho regressou ao Benfica com enorme expectativa, promessa de revolução e aura de “Special One”. No entanto, passado quase um mês desde a sua chegada à Luz, pouco mudou dentro das quatro linhas. Esta é a principal conclusão da análise da cronista Catarina Pereira, publicada no jornal A Bola, e que serve de ponto de partida para refletir sobre o verdadeiro impacto do treinador português neste início de ciclo.
As águias continuam a apresentar problemas táticos, falta de intensidade e resultados inconsistentes, como ficou evidente na derrota frente ao Newcastle na Liga dos Campeões. Fora do campo, o entusiasmo dos adeptos, o aumento de visibilidade internacional e a mudança de discurso são visíveis. Mas no relvado, a transformação tarda em acontecer.
O impacto fora das quatro linhas: marketing, balneário e adeptos
Se há algo inegável desde a chegada de José Mourinho ao Benfica, é a mudança de atmosfera em torno do clube. As redes sociais do Benfica bateram recordes de interações, as camisolas com o nome de Mourinho esgotaram em poucas horas e o Estádio da Luz voltou a encher com regularidade. A marca Benfica ganhou projeção europeia, especialmente após o regresso de um dos treinadores mais mediáticos do futebol mundial.
No balneário, fontes próximas garantem que Mourinho impôs imediatamente a sua liderança. Os treinos ganharam intensidade, a disciplina aumentou e vários jogadores confessaram sentir “pressão positiva” para mostrar serviço. Contudo, esse ambiente competitivo ainda não se refletiu na qualidade do futebol apresentado.
A verdade é que o carisma de Mourinho trouxe atenção, mas o Benfica de hoje continua a jogar de forma semelhante ao de antes: previsível, com pouca criatividade ofensiva e dependente de individualidades como Di María, Rafa ou João Neves.
Dentro do campo, o vazio tático: o jogo com o Newcastle como alerta vermelho
A derrota por 3-0 frente ao Newcastle expôs fragilidades que já não podem ser ignoradas. O Benfica mostrou dificuldades na construção sob pressão, incapacidade para controlar o meio campo e fragilidade nas transições defensivas. José Mourinho explicou que o ritmo elevado dos ingleses não favoreceu a sua equipa, mas Catarina Pereira recordou que foi esse mesmo ritmo que o Benfica conseguiu superar para eliminar o Fenerbahçe anteriormente.
Apesar de algumas melhorias defensivas pontuais, o Benfica continua sem uma identidade clara. Não se vê uma pressão alta consistente, nem uma estratégia definida para sair com bola. A equipa parece entre duas ideias: o futebol de posse de Roger Schmidt e o estilo mais pragmático e reativo de José Mourinho.
A análise de Catarina Pereira: “Muito barulho, poucas mudanças”
Catarina Pereira, conhecida pelo seu estilo crítico e irónico, foi direta: o impacto de Mourinho sente-se em todo lado, menos no relvado. Para a cronista, o treinador continua a utilizar os mesmos mecanismos de comunicação – elogios calculados, críticas subtis ao plantel e referências a falta de tempo ou falta de reforços.
Recordando as palavras de Mourinho antes do jogo com o Newcastle, Catarina sublinhou a contradição entre os elogios anteriores ao plantel encarnado e a atual narrativa de limitações. Para ela, “não há nada de novo no modus operandi”. No passado, responsabilizou o Benfica quando enfrentou o clube ao serviço do Fenerbahçe. No presente, prepara terreno para justificar a necessidade de reforços no mercado de inverno.
Mercado de inverno: verdadeira oportunidade ou desculpa antecipada?
Um dos pontos mais mencionados por Mourinho nas últimas conferências de imprensa é a importância do mercado de janeiro. Apesar do Benfica ter feito o maior investimento de sempre no verão, contratando nomes como Vangelis Pavlidis, Marcos Leonardo e Arthur Cabral, o treinador já aponta para a próxima janela como “momento-chave”.
A questão que se coloca é: será o mercado de inverno a solução para os problemas, ou apenas parte da narrativa para ganhar tempo? Até ao momento, Mourinho ainda não conseguiu extrair o máximo de vários jogadores do atual plantel, como Kokçu, Florentino ou Tiago Gouveia. Reforços podem ajudar, mas o mais urgente parece ser criar um modelo de jogo coerente.
O discurso de Mourinho: igual ao passado ou estratégia calculada?
Uma das críticas mais repetidas é que Mourinho já não surpreende. O seu discurso mantém o estilo clássico: elogios ao adversário, defesa dos jogadores, pequenas farpas à estrutura e insinuação de que precisa de melhores ferramentas para competir ao mais alto nível.
Catarina Pereira diz que “os mind games e a arrogância respeitável continuam presentes”. E isso levanta outra discussão: será este José Mourinho diferente do jovem treinador que chocou a Europa no Porto? Ou estamos perante alguém que mantém a mesma fórmula, mas com menos resultados?
O Benfica precisa de tempo… ou de uma mudança radical?
Entre os adeptos do Benfica, a divisão é evidente. Alguns acreditam que o plantel precisa de tempo para absorver as ideias de Mourinho, lembrando que até treinadores como Jorge Jesus ou Roger Schmidt tiveram períodos iniciais de adaptação. Outros, porém, defendem que o Benfica não joga à Benfica e que Mourinho está a viver mais do nome do que da estratégia.
A equipa tem qualidade, profundidade e soluções para vários sistemas táticos. O que falta, segundo muitos analistas, é coragem para mudar, arriscar e libertar-se de amarras táticas. José Mourinho tem experiência, currículo e autoridade para fazê-lo – mas até agora, optou por um caminho de cautela.
Conclusão: mito ou revolução? O futuro do Special One na Luz
O primeiro mês de José Mourinho no Benfica deixa mais perguntas do que respostas. Há impacto mediático, há respeito no balneário, há esperança nos adeptos. Mas dentro de campo, continua a existir um vazio.
Catarina Pereira sintetizou esse sentimento com clareza: “Quando Mourinho voltou ao Benfica, muito se debateu quão diferente estava o treinador outrora temido por toda a Europa. Curiosamente, não vejo grandes diferenças”.
O Benfica de Mourinho está numa encruzilhada: pode evoluir, afirmar-se e transformar-se num projeto vencedor – ou ficar preso ao peso do passado e às expectativas do nome Special One. Janeiro será decisivo. Até lá, o tempo joga contra o treinador… e a paciência dos adeptos também.

0 Comentários